Se existisse um “teorema” sobre os indicados ao Oscar® de melhor filme, certamente um dos elementos da forma seria a conotação social. Tal teorema já foi provado quando Crash, do canadense Paul Haggis, levou a estatueta mais desejada da noite da festa da Academia, em 2006. O filme tinha como mote o ataque às diferenças sociais e raciais nos Estados Unidos. Nesse ano, o representante da fórmula chama-se Babel, do mexicano Alejandro González Iñarritú, um dos mais novos rebentos de Hollywood. Credenciado pela densidade psicológica de seus dois últimos, e ótimos, thrillers – Amores Brutos e 21 Gramas (o primeiro muito melhor e mais profundo que o segundo) -, Iñarritú elegeu a estrutura já batida de quatro estórias fragmentadas (que, como já se sabe, vão se entrelaçar mais cedo ou mais tarde no filme) para passar a mensagem que todos têm seus problemas, sejam ricos ou pobres. E onde se encaixa a conotação social de Babel? O próprio título do filme, como a bíblia conta, sugere uma confusão de idiomas, gerando desentendimentos entre os interlocutores. O primeiro núcleo, dos marroquinos (representando os árabes em geral), é brilhantemente caracterizado, seja pelas filmagens nas locações em Casablanca, seja pela veracidade e trajes típicos dos atores, seja pelo idioma falado ser o corrente na região (ao invés do inglês) e principalmente pelo drama passado pelos habitantes, que em alguns momentos parece tão real como se fosse em um documentário. Dito isso, nunca é demais ressaltar quanto sofrem os países subdesenvolvidos em geral, até mesmo negligenciando sua soberania nacional, quando turistas ricos (leia-se americanos e europeus) têm seus interesses feridos e a qualquer acidente resolvem evocar o demônio do terrorismo para justificar toda e qualquer barbárie contra inocentes. Une-se ao primeiro núcleo o grupo dos turistas, capitaneado por Brad Pitt (que depois de Clube da Luta parece fazer sempre o mesmo papel, por mais que se esforce) e a espetacular multi-facetada Cate Blanchett. Nesse grupo, a mensagem é simples: o desprezo pelo próximo (que não possua os bens materiais para igualar-se a sua condição social). Conecta-se aos americanos em viagem de turismo à realidade dos imigrantes mexicanos nos Estados Unidos, encarnada pela senhora que cuida dos filhos de Pitt e Paltrow. Surge aí a figura de Gael García Bernal, infelizmente muito mal aproveitado; no papel secundário de sua tia, a impressionante Adriana Barraza. Ambos são mensageiros do imenso preconceito que os 'hermanos' sofrem dos yankees. Ela, por ser imigrante ilegal há vários anos no país, sendo deportada sem dó nem piedade. Ele, simplesmente por ser mexicano, é rechaçado pelo típico policial norte-americano de fronteira boçal. Fecha o quebra-cabeça uma parte tão inesperada quanto desnecessária, a que trata da realidade de uma adolescente japonesa surda-muda e suas pares. Pode-se dizer que as agruras sua deficiência lhe proporciona e como ela luta para conviver com isso faça parte do projeto de crítica social proposto por Iñarritú, mas simplesmente não encaixa. Cenas fortes parecem tentar apelar para a atenção do espectador, mas esses trechos simplesmente parecem saídos de outro filme. Mal fundada também a tentativa de soldar as peças no final, aliando o núcleo japonês ao árabe, apenas pra fechar o roteiro. O único mérito foi a tocante atuação da adolescente em questão, Kôji Yakusho, que foi de tirar o fôlego e o chapéu mais uma vez para a incrível capacidade de Iñarritú de drenar o melhor de seus atores. No final das contas, Babel é um forte candidato ao Oscar desse ano, principalmente por reunir outro dos ingredientes necessários ao “teorema da vitória”: a falta de originalidade.
Um comentário:
Concordo plenamente com a análise do filme. O núcleo japonês parece completamente desconectado do restante da história e Gael surge quase como um figurante no lado mexicano, o que é uma pena, já que sabemos do que o moço é capaz.
A proposta do filme não é ruim, mas ele deixa tantas 'pontas soltas' que muito do seu mérito se perde por isso.
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