quinta-feira, 20 de março de 2008

O ESCAFANDRO E A BORBOLETA


Muitos filmes já foram rodados sobre pessoas que enfrentaram restrições físicas (Meu Pé Esquerdo, Perfume de Mulher, etc.) e quase todos geralmente rendem indicações para importantes prêmios, vide que os dois referidos renderam a estatueta do Oscar de melhor ator a, respectivamente, Daniel Day-Lewis e Al Pacino. O 'problema' desse tipo de filme, se é que se pode intitular assim a sua essência, é o alto teor 'lição de vida' inerente a eles.
Um outro exemplo dessa classe é o francês O escafandro e a Borboleta, indicado aos Oscar de direção e melhor roteiro, que trata da história de um editor de uma conhecida revista de moda que sofre um AVC e acaba virando portador da rara Síndrome do Encarceiramento, mal que retira todo e qualquer movimento corpóreo do protagonista, a não ser a visão de seu olho esquerdo, com o qual consegue piscar e assim comunicar-se. O então desfigurado Jean-Do passa a enfrentar uma rotina diária de exercícios de fonoaudiologia e fisioterapia, comunicando-se com sua pálpebra através de uma piscadela para a palavra SIM e duas para a palavra não. Os dias vão passando, e o encarceirado em seu próprio corpo, ou escafandro, na metáfora do próprio, vai recebendo visitas dos filhos com a ex-mulher, de amigos e até mesmo da amante inicialmente relutante. A volta a tona de emoções já esquecidas com o surgimento de sensações até então desconhecidas antes da ingrata condição acabam motivando Jean-Do a 'ditar' um livro de memórias, principalmente sobre suas impressões de enclausurado, a uma 'secretária' com a qual acaba construindo uma nobre cumplicidade. A bem-sucedida obra o acaba motivado a publicar um novo livro, sobre os mistérios femininos, ânimo esse que veio capitaneado com o progresso conseguido por sua bela fonoaudióloga (resmungos de palavras e ensaios de cantoria de algumas melodias). Justamente nesse crescente, o protagonista acaba contraindo uma pneumonia fulminante, que em dez dias o faz entrar em óbito.
Toda essa árdua trajetória é orquestrada com poética maestria pelo diretor norte-americano Julian Schnabel, merecidamente indicado à última edição da maior festa do cinema mundial, o qual soube conduzir magistralmente o excelente Mathieu Almaric e a comovente Emmanuelle Seigner e todo o resto do competentíssimo elenco. A atmosfera acolhedora do hospital, da sacada onde Jean-Do descansava e da praia onde foi passear com sua família no dia dos pais, tudo um ótimo trabalho da direção de imagem.
Uma obra realmente digna do padrão de qualidade e desapego ao cinema de alta tecnologia que os europeus conseguiram. Justamente por isso, talvez, tenha sido tão injustamente negligenciado no Oscar.

quarta-feira, 12 de março de 2008

MICHAEL CLAYTON


O personagem-título, vivido por George Clooney, é o faz-tudo de uma poderosa firma de advocacia. Encarnado por Tom Wilkinson, o famoso advogado Arthur Edens é peça-chave dentro dessa companhia, sendo responsável pelos mais importantes casos da mesma - o último deles tomando forma dentro da trama. Tilda Swinton, ou Karen Crowder, é o contraponto do enredo, a 'litigante' no caso em que Arthur deveria ajudar, mas atrapalhou, em uma série de trapalhadas desencadeada por seu comportamento maníaco-depressivo potencializado por uma eventual resistência à medicação.

No desenrolar dessa teia jurídica muitas vezes vista em outras ocasiões na telona, observa-se boas interpretações, mas nada passível de indicações ao Oscar® (os três profissionais citados no primeiro parágrafo receberam nomeações) e tampouco de receber o prêmio, como aconteceu com a inglesa Tilda Swinton na categoria Melhor Atriz Coadjuvante. As nomeações para melhor filme e melhor diretor também excederam o limite do bom senso, talvez pela safra limitada desse ano de alerta para uma possível recessão norte-americana e à já abortada greve dos roteiristas daquele país.

De mais a mais, é um filme redondo - uma história convincente, bem contada. Não agrega, mas não aborrece. Para os que ainda não saturaram de assistir tramas jurídicas, é boa diversão.

segunda-feira, 10 de março de 2008

ALL THE PRESIDENT'S MEN (1976)


O famoso Caso Watergate, onde o controverso ex-presidente norte-americano Richard Nixon perdeu o cargo por ver seu nome envolvido diretamente em espionagens políticas, é o mote desse maravilhoso thriller político baseado no livro escrito pelos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein (interpretados respectivamente por Robert Redford e Dustin Hoffman). O maior mérito do americano Alan J. Pakula ao dirigir Todos os Homens do Presidente foi transpassar ao público com maestria a enorme abrangência do escândalo, recriando a atmosfera instável da época através de um registro histórico memorável. Dentro do que se propõe: é impecável no cristalino objetivo de retratar o Caso Watergate tão detalhadamente quanto o pouco mais de duas horas de duração da película permitiram. Leia-se que o duelo branco entre Redford e Hoffman, protagonistas cinematográficos de toda uma geração, acrescenta, E MUITO, ao filme. Tão voluntariosas quanto impetuosas, poder-se-ia dizer que ambas as performances carregaram o time nas costas caso não fosse injusto negligenciar o poder do roteiro (nem sempre casos bombásticos como esse são retratados de maneira tão exemplar na telona), da direção firme e precisa aliada ao compromisso com a verdade. Não é mais um filme sobre jornalismo, nem apenas uma outra obra sobre a política e seus complicados meandros. É a união genial de elementos cinematográficos selecionados a dedo em prol do nobre objetivo de provar que a sétima arte pode ser tão produtiva culturalmente quanto queiram emissor e receptor. É a prova de que o cinema não precisa ser “cult”, na acepção da palavra, para fugir da prateleira dos “enlatados”. Leia mais: http://www.unificado.com.br/calendario/08/watergate.htm

domingo, 9 de março de 2008

BATTLESHIP POTEMKIN (1925)


Fosse o nosso presidente Lula um grande apreciador de cinema, possivelmente usaria uma de suas metáforas futebolísticas para intitular Sergei Eisenstein como o “Pelé da Telona”. Na hipótese acima mencionada, o petista não estaria apenas mascarando uma simpatia pela orientação política recente da nação do russo, mas endossando a opinião de muitos admiradores da sétima arte. Assim como é absurdo cogitar se a genialidade de Pelé seria compatível com sua fama seria a mesma caso atuasse nos dias de hoje, a recíproca é verdadeira no caso de Eisenstein. O diretor, conhecido pelo uso extensivo da dialética, talvez pela natureza sociopolítica de sua obra, talvez pelas restrições do cinema mudo ou até mesmo por conceber o fruto de seu trabalho com uma conotação de utilidade pública ao invés de mero entretenimento, seria fatalmente um fracasso de bilheteria nos dias de hoje. Sua obra-prima, O Encouraçado Potemkin, estaria fadada à alcunha de mais um enfadonho filme de guerra nos dias de hoje. A visão totalmente errônea (pra não dizer mais) é soterrada por uma avalanche de fatos. O primeiro é a isenção do cineasta ao retratar o comportamento de seu próprio povo diante da revolução, demonstrando que os russos, assim como qualquer outro povo, tem qualidades e defeitos, guardam ódio e rancor, mas também demonstram amor e piedade – ao contrário da maioria dos filmes de guerra de hoje, onde os americanos tem sempre razão e a força motriz do filme é quase sempre uma love story, com raras exceções. No aspecto técnico, vale a pena ressaltar o cuidado com a trilha sonora, sempre encomendada à grandes nomes do cenário clássico russo. No “Encouraçado” em particular, grande parte do suspense e do sofrimento dos protagonistas era embalado pela sonoridade. No que tange ao seu ofício em si, Eisenstein proporcionou uma seqüência antológica, onde o exército russo persegue e esmaga sem piedade os dissidentes do regime de miséria em que vivem, não perdoando nem mesmo deficientes e uma criança recém-nascida, que escapa das mãos da mãe e desce velozmente por uma escadaria íngreme, desamparada à mercê dos rifles soviéticos. Dentro do que se propõe, passar a mensagem nua e crua que a revolução serviu apenas para mergulhar a Rússia em uma profunda depressão econômica, bem como dizimar a muitos de seus próprios cidadãos, o filme é brilhante. Podem dizer que o cinema mudo é pra museu, que a revolução é pra comunistas e que os russos só servem vodka, mas tomando-se como parâmetro a máxima de que “toda a unanimidade é burra”, fica a questão: o cinema seria o que é hoje sem a valiosíssima contribuição de Eisenstein? Fica a mesma pergunta para os fãs da indústria cultural... e se Senhor dos Anéis nunca tivesse sido lançado? O cinema continuaria sendo o mesmo? Provavelmente sim...

sexta-feira, 7 de março de 2008

THE GRANDMOTHER (1970)


Ao lançar o curta The Grandmother, em 1970, David Lynch executava um ato semelhante ao de submergir o dedo dentro de uma banheira para ver se a água não está gelada ou quente demais. A primeira narrativa de Lynch parte de uma premissa relativamente simples. Afinal, quão atormentadora pode ser a história de uma família composta de pai, mãe e um filho sempre vestido de terno? E se, motivado por pesadelos corriqueiros, o garotinho encharca seu lençol de uma substância alaranjada, aparentemente urina, a qual seu pai enfurecidamente esfrega o rosto do filho contra após o ato consumado? E quando o menino, já cansado de atmosfera nociva onde vive, tanto física quanto psicologicamente, resolve “plantar” uma semente estranha em cima de sua própria cama e dali nasce uma senhora, que supostamente é sua avó? Lynch, à época com apenas 24 anos, provou ser possível a um diretor ser fiel aos seus princípios e não ter que vender a alma para poder ingressar em Hollywood. Desde então criou sua identidade controversa, onde as restrições orçamentárias não foram suficientes para impedi-lo de criar uma atmosfera sinistra, bizarra e perturbadora (sua marca registrada) mesmo fazendo uso dos mais básicos efeitos sonoros e visuais, restritíssimo elenco e locações e o seu ímpar talento de confundir, e ao mesmo tempo fornecer a maior liberdade possível de interpretação, ao público. Felizmente, estava morna a água da banheira.

quinta-feira, 6 de março de 2008

BABEL (2006)


Se existisse um “teorema” sobre os indicados ao Oscar® de melhor filme, certamente um dos elementos da forma seria a conotação social. Tal teorema já foi provado quando Crash, do canadense Paul Haggis, levou a estatueta mais desejada da noite da festa da Academia, em 2006. O filme tinha como mote o ataque às diferenças sociais e raciais nos Estados Unidos. Nesse ano, o representante da fórmula chama-se Babel, do mexicano Alejandro González Iñarritú, um dos mais novos rebentos de Hollywood. Credenciado pela densidade psicológica de seus dois últimos, e ótimos, thrillers – Amores Brutos e 21 Gramas (o primeiro muito melhor e mais profundo que o segundo) -, Iñarritú elegeu a estrutura já batida de quatro estórias fragmentadas (que, como já se sabe, vão se entrelaçar mais cedo ou mais tarde no filme) para passar a mensagem que todos têm seus problemas, sejam ricos ou pobres. E onde se encaixa a conotação social de Babel? O próprio título do filme, como a bíblia conta, sugere uma confusão de idiomas, gerando desentendimentos entre os interlocutores. O primeiro núcleo, dos marroquinos (representando os árabes em geral), é brilhantemente caracterizado, seja pelas filmagens nas locações em Casablanca, seja pela veracidade e trajes típicos dos atores, seja pelo idioma falado ser o corrente na região (ao invés do inglês) e principalmente pelo drama passado pelos habitantes, que em alguns momentos parece tão real como se fosse em um documentário. Dito isso, nunca é demais ressaltar quanto sofrem os países subdesenvolvidos em geral, até mesmo negligenciando sua soberania nacional, quando turistas ricos (leia-se americanos e europeus) têm seus interesses feridos e a qualquer acidente resolvem evocar o demônio do terrorismo para justificar toda e qualquer barbárie contra inocentes. Une-se ao primeiro núcleo o grupo dos turistas, capitaneado por Brad Pitt (que depois de Clube da Luta parece fazer sempre o mesmo papel, por mais que se esforce) e a espetacular multi-facetada Cate Blanchett. Nesse grupo, a mensagem é simples: o desprezo pelo próximo (que não possua os bens materiais para igualar-se a sua condição social). Conecta-se aos americanos em viagem de turismo à realidade dos imigrantes mexicanos nos Estados Unidos, encarnada pela senhora que cuida dos filhos de Pitt e Paltrow. Surge aí a figura de Gael García Bernal, infelizmente muito mal aproveitado; no papel secundário de sua tia, a impressionante Adriana Barraza. Ambos são mensageiros do imenso preconceito que os 'hermanos' sofrem dos yankees. Ela, por ser imigrante ilegal há vários anos no país, sendo deportada sem dó nem piedade. Ele, simplesmente por ser mexicano, é rechaçado pelo típico policial norte-americano de fronteira boçal. Fecha o quebra-cabeça uma parte tão inesperada quanto desnecessária, a que trata da realidade de uma adolescente japonesa surda-muda e suas pares. Pode-se dizer que as agruras sua deficiência lhe proporciona e como ela luta para conviver com isso faça parte do projeto de crítica social proposto por Iñarritú, mas simplesmente não encaixa. Cenas fortes parecem tentar apelar para a atenção do espectador, mas esses trechos simplesmente parecem saídos de outro filme. Mal fundada também a tentativa de soldar as peças no final, aliando o núcleo japonês ao árabe, apenas pra fechar o roteiro. O único mérito foi a tocante atuação da adolescente em questão, Kôji Yakusho, que foi de tirar o fôlego e o chapéu mais uma vez para a incrível capacidade de Iñarritú de drenar o melhor de seus atores. No final das contas, Babel é um forte candidato ao Oscar desse ano, principalmente por reunir outro dos ingredientes necessários ao “teorema da vitória”: a falta de originalidade.

quarta-feira, 5 de março de 2008

THE QUEEN (2006)



A popularidade de programas como Big Brother e outros inúmeros reality shows demonstra quão grande é o interesse do público em saber da vida alheia. Se acompanhar a rotina de anônimos já é saboroso, qual seria o apelo de “estar por dentro” da vida de celebridades? Exclua-se daí o cotidiano de artistas, cuja vida é um livro aberto, escancarado até. Qual personalidade poderia ter detalhes suficientemente interessantes para serem revelados? A resposta é dada pelo diretor inglês Stephen Frears, cujo maior mérito até então havia sido a comédia cult musical Alta Fidelidade. Frears encontrou na controversa figura da rainha Elizabeth subsídios para filmar o que poderia ser chamado de um documentário “biográfico-romanceado” onde o simples torna-se complexo e o corriqueiro é algo aquém da vida do cidadão normal. O grande mérito de A Rainha é esmiuçar atos triviais da soberana britânica, como caçadas na casa de veraneio real até sua fragilidade ante um eixo de jipe quebrado, por exemplo. Igualmente importante na construção do personagem foi a preocupação em retratar traços importantes de sua personalidade, como a soberba e a mão firme que os monarcas devem ter, e a ponderação para assumir a postura contrária, com humildade e sapiência, em ocasiões adversas. Foi brilhante a escolha do momento histórico – no caso, a morte da princesa Diana e futuros desdobramentos – como pano de fundo no roteiro. Foram humanizadas as figuras da rainha Elizabeth, príncipes Philip e Charles e do primeiro-ministro Tony Blair, com destaque para a atuação magnânima de Helen Mirren como protagonista, fato este já consolidado pelos 22 prêmios que o papel já rendeu a atriz. Não menos importante foi a contribuição de Michael Sheen na carne de Blair, cuja relativa semelhança com o original parece ter contribuído sobremaneira em sua convincente “dobradinha” com Mirren. O já combalido James Cromwell, conhecido por sua atuação em “Babe o porquinho atrapalhado” pouco contribui na pele de Philip, bem como Alex Jennings na pele de Charles. Ambos passam batidos, como na realidade. Sendo assim, A Rainha é perfeito no que se propõe. Mesmo seguindo a premissa de que o cinema é a arte da ilusão e, sendo assim, muito do que é mostrado possa ser apenas conjecturas ou adaptações para melhor digestão do público, fica difícil acreditar que tudo ali não seja a mais pura verdade. É o típico caso em que o resultado é muito melhor que a encomenda.

terça-feira, 4 de março de 2008

NOTES ON A SCANDAL (2006)


Inebriante. Escandaloso. Estarrecedor. Chocante. Todos esses adjetivos são insuficientes pra descrever quão magnanimamente Notas Sobre Um Escândalo ataca de frente os tabus da dita sociedade moderna. Na conservadora e cinzenta sociedade britânica, crimes como pedofilia, adultério e lesbianismo soam como rangidos estridentes. Todos esses sons juntos, entretanto, regidos pelo competente maestro/diretor Richard Eyre foram convertidos em uma melancólica sinfonia, onde Judi Dench e Cate Blanchett são as sopranos que dão vida a uma trágica ópera. Ambas professoras de uma escola de subúrbio, acabam se unindo. Sheba Hart (Blanchett), por simpatia à solidão da colega, causada por um passado obscuro e uma dificil personalidade. Barbara Covett (Dench), por julgar que a nova professora possa ser uma ilha de inspiração no meio de um oceano de mediocridade onde está inserida. O “escândalo” do título é protagonizada pela nova professora de arte, que cede aos apelos de um aluno do 2o ano, de apenas 15 anos. O affair vai se desenrolando até que a veterana professora de História flagra os dois amantes no ato, e pede explicações à nova amiga. Sob a promessa de terminar o caso proibido e revelar tudo ao marido, Bar promete não revelar nada a ninguém, afim de não prejudicar a carreira de Sheba. Com esse “favor”, consegue seu objetivo: mais tempo com seu novo objeto de desejo, que até então julgava o favor como sendo um ato de amizade. Daí em diante, a infeliz senhora tenta expor seus desejos reprimidos, mas é rechaçada por alguém com opção sexual diferente da sua. Pra piorar, descobre que a promessa não foi cumprida, e o relacionamento extraconjugal da colega segue a todo vapor. Novas promessas. Nova reaproximação. A calmaria, porém, dura pouco. Um desentendimento banal entre alguém que pensava poder mandar e outra que pensava poder desobedecer causa o vazamento do segredo para a escola, a sociedade e os tablóides ingleses. O real exemplo da velocidade com que uma fofoca pode se espalhar. Daí em diante, a vida de todos vira um inferno. Menos a da amargurada professora, que se torna a nova anfitriã da esposa indesejada cujo marido pediu um tempo para ter tranqüilidade para colocar as idéias no lugar. Detalhe: o casal também apresenta grande diferença de idade e se conheceram na mesma relação professor/aluno. O desenrolar serve para abrir os olhos de qualquer um. Vemos quão insignificante nossa existência pode ser. Como a solidão pode atingir qualquer um. Que ninguém está acima de qualquer suspeita. E que não devemos falar dos vizinhos, porque os próximos a estar sob os holofotes podemos ser nós mesmos.

segunda-feira, 3 de março de 2008

LAND OF THE BLIND (2006)


O maior mérito de Land of the Blind é poder ser considerado como um sonho dentro de um sonho. Isso por que, a despeito de seus “congêneres” Brazil e V de Vingança, possui alguns elementos “orwellianos”, de “1984”. O principal deles é o totalitarismo e a presença de rebeldes querendo derrubar o sistema vigente. A principal diferença dessa película em relação às outras é sua aparentemente menor preocupação visual. Foi adotado um tratamento de imagem mais simplista, visando tão-somente demonstrar a realidade nua e crua de uma sociedade que sofria com mandos e desmandos de um ditador mimado e sua esposa, passou por uma revolução cujo resultado foi uma ditadura mascarada que afundou ainda mais a procura por democracia e cujo clímax foi a interrogação sobre o resultado de uma contra-revolta que acontece nos últimos instantes de filme. Afora isso, é importante ressaltar a importância dos dois principais agentes motrizes da trama, o genial Ralph Fiennes, que sabe como poucos conferir uma melancolia elegante e ideológica aos papéis que encarna, e ao experiente Donald Sutherland, um camaleão à espera de um roteiro onde possa demonstrar sua incrível capacidade dramática. Junte-se esse dueto a um roteiro primoroso, despretensioso na essência, idealista (quem sabe) no objetivo e eficiente no resultado. Tem-se aí um dividendo, na pior das hipóteses, curioso; na melhor, uma grata surpresa. Algo que se destaca no meio da multidão, cada vez mais difícil de se ver nas estréias de sexta-feira.

domingo, 2 de março de 2008

DISTURBIA (2007)



Paranóia é um dos poucos suspenses contemporâneos que deixa pouco a desejar em qualquer contexto que seja analisado. Partindo da premissa do maravilhoso Janela Indiscreta, de Hitchcock, esse thriller gira em torno da história de um garoto cujo pai morreu recentemente em um acidente de carro. Kale, desconsertado com o ocorrido, acabou agredindo seu professor de espanhol no colégio, o que acabou rendendo-lhe três meses de prisão domiciliar, com um dispositivo de segurança que o impede de ultrapassar um raio de 30m de sua casa, caso contrário um dispositivo sonoro é ativado e a polícia imediatamente é acionada a ir ao local. Para passar o tempo, o garoto acaba desenvolvendo um voyeurismo em sua vizinhança, observando seus hábitos e conhecendo suas rotinas. Um de seus alvos preferidos, sua vizinha Ashley, acaba descobrindo que estava sendo vigiada, e acaba se envolvendo com Kale e sua furtiva atividade. Acontece que na aparentemente inofensiva vizinhança, surge um suspeito de ser o autor de uma onda de assassinatos ocorrendo na cidade. Uma teia de acontecimentos vigiados pelo trio de amigos (ainda composto pelo colega de classe de Kale, Ronnie) acaba levando-os a investigar mais a fundo a história que no começo era apenas mera suposição. Digna de ser mencionada é a grande sacada de ter sido adaptado à história as tecnologias disponíveis na vida moderna; e como tais dispositivos acabaram sendo usados magistralmente em prol de uma melhor condução do filme. Muitos desses itens são usados a título de pista e recompensa no roteiro, o que o enriquece sobremaneira.O maior mérito, no entanto, é seguir a risca o núcleo de qualquer suspense: um jogo de gato e rato que deixa o espectador na ponta do assento o tempo todo, com o coração na boca, se perguntando o que vem a seguir. Cumpre com êxito o que se propõe e surpreende pelo resultado.

sábado, 1 de março de 2008

ERASERHEAD (1977)


Grosso modo, a obra de David Lynch poderia ser comparada a um show de horrores. Seu controverso Eraserhead, filmado em 1977, ilustra perfeitamente essa correlação. O bizarro cineasta utiliza a triste realidade suburbana como pano de fundo para uma ácida crítica social, cujo clímax pode ser interpretado pelo nascimento de uma criatura defeituosa, resultado do fruto de uma relação proibida entre a mais jovem integrante de uma família problemática com um medíocre funcionário de uma prensa local. O tradicional mosaico de imagens lynchiniano é genial ao expor como o ser humano lida com seus fantasmas mais profundos, como a aceitação e a tentativa de amar e cuidar de um filho defeituoso, e com a latente incapacidade de livrar-se deles. O resultado é de embrulhar o estômago, contra-indicado para os fracos de estômago, depressivos e portadores de qualquer sorte de instabilidade emocional. Aos demais, recomendo deixar toda e qualquer preconcepção de lado.